segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

China, Japão e Coréias: Novas mudanças, novos rumos


A passagem de ano nos remete a sensação mudança, de novas atitudes, novas posturas e principalmente de esperança de que dias melhores virão. No extremo oriente, 2013 trará, de fato, muitas novidades: os quatro países da região - Coréia do Sul, Coréia do Norte, República Popular da China e Japão - passaram por mudanças recentes na chefia de Estado.

A Coréia do Sul passou por recente troca no comando do governo e, em fevereiro, assume Park Geun-Hye, filha do General Park Chung-Hee, ditador que comandou o país de 1961 até sua morte em 1979.  A recém-eleita Park tem 60 anos e será a primeira mulher a governar o país. Além disso, pertence ao partido conservador Saenuri, que já comanda o país desde a última eleição presidencial, por meio de Lee Myung-Bak.



Park Geun-Hye, primeira mulher a ser presidente da Coréia do Sul. Eleita no último mês, ela iniciará suas atividades em Fevereiro.
No lado norte do paralelo 38, a mudança de liderança aconteceu no final de 2011, quando morreu o "querido líder" Kim Jong-Il e assumiu seu filho, o jovem Kim Jong-Un. Com apenas 28 ou 29 anos (não se sabe a idade ao certo), Kim Jong-Un se tornou o mais jovem chefe-de-Estado do planeta e, desde o começo, teve que enfrentar oposição de uma parte das forças armadas norte-coreanas que preferiam alguém mais linha-dura para assumir o comando do país comunista. Além disso, o novo Líder Supremo tem que lidar com as dificuldades de manter um projeto nuclear a contra-gosto de quase todo o planeta.

Kim Jong-Un, filho mais jovem de Kim Jong-Il assumiu o poder na Coréia do Norte em Dezembro de 2011. Acima, ele discursa para a população por ocasião do último ano novo.
No Japão, Shinzo Abe ganha nova chance como premiê, depois de um ano de mandato entre Setembro de 2006 e Setembro de 2007. Abe é do partido Liberal Democrata (LDP), de matriz ideológica conservadora e que mais tempo ficou no poder desde a instauração da democracia japonesa. A mudança ocorre no meio de uma crise bilateral com a China pela disputa de algumas ilhas entre os dois países, chamadas de Diaoyu pelos chineses e Senkaku pelos japoneses.

Após a vitória de seu partido nas eleições parlamentares no último mês, Shinzo Abe assume novamente o posto de primeiro-ministro do Japão. Ele já havia ocupado o posto entre 2006 e 2007.
Em Março, Xi Jinping deverá ser o novo Chefe-de-Estado da República Popular da China. A mudança ocorre após 10 anos de governo de Hu Jintao, durante os quais a China assumiu o posto de segunda maior economia e de maior exportador do planeta. Xi vem da facção dos chamados "príncipes" do Partido Comunista Chinês, filhos de ex-membros importantes do partido ou que participaram da Guerra Civil Chinesa, que colocou os comunistas no poder em 1949. No caso de Xi, ele é filho de Xi Zhongxun, ex-vice-premiê e guerrilheiro que lutou na expulsão dos japoneses da China e na Guerra Civil.

Xi Jinping deve assumir a presidência da China em Março, por apontamento do Partido Comunista Chinês.
As mudanças nas cúpulas de poder afetam as duas principais focos de tensão na região: o conflito entre as Coréias do Norte e do Sul e o recente acirramento da rivalidade entre Japão e China. Enquanto na península as esperanças são renovadas com a troca de comando e as projeções futuras são positivas, a relação entre Tóquio e Pequim deve se tornar cada vez mais ríspida dado o perfil dos novos chefes-de-Estado.

Nas Coréias, os discursos mostram uma convergência para a melhora. Mesmo antes de assumir, a futura presidente Park tem defendido um maior diálogo com os vizinhos do norte e de um maior aporte financeiro de ajuda humanitária vindo de Seul. Claro, que as maiores quantidades de doações devem ser condicionadas à restrições ou ao término do programa nuclear norte-coreano, mas a disposição para o diálogo já é uma evolução em comparação ao período Lee Myung-Bak que lidou de forma dura com Pyongyang, cortando boa parte da ajuda financeira ao norte e se fechando cada vez mais para o diálogo com o vizinho.

Não é segredo para ninguém que a Coréia do Norte passa por dificuldades sociais, principalmente por causa de dois grandes déficits: de energia e de alimentos, assuntos aparentemente ignorados pelo "Querido Líder" Kim Jong-Il, que governou o país socialista de 1994 até sua morte em Dezembro de 2011. Contudo, em um discurso surpreendente neste ano novo, o atual comandante dos norte-coreanos, Kim Jong-Un, disse que a prioridade de 2013 é aumentar a qualidade de vida de sua população. E ainda defendeu, no mesmo discurso, a paz e a reconciliação com Seul, chegando até a falar em reunificação, uma palavra que é quase um tabu na península coreana. A única nota negativa é a promessa de modernização do exército, ainda que sem citar armamentos atômicos.

Mísseis norte-coreanos em parada militar. O programa nuclear norte-coreano é um dos cernes da permanente crise entre norte e sul.

Observando, portanto, o comportamento dos novos líderes coreanos, devemos esperar uma melhora em relação ao período anterior. Kim Jong-Il e Lee Myung-Bak se trataram com muito mais rispidez e quase chegaram a guerra de fato em alguns momentos, como em 2010, quando a Coréia do Norte bombardeou uma ilha ocupada por sul-coreanos, matando duas pessoas. Contudo, a melhoria esperada das relações durante os governos de Park e Kim Jong-Un deve acontecer de forma gradual. A retomada do envio de ajuda ocorrerá aos poucos, pois as contrapartidas oferecidas por Pyongyang também irão progredir de forma lenta. É improvável o desmantelamento do programa nuclear no curto prazo, por exemplo.

Já no Japão, a volta dos conservadores ao poder e, principalmente, a figura de Shinzo Abe aumenta as tensões regionais com a vizinha China. Mesmo antes, da volta do LDP ao poder, a disputa pelas ilhas Diaoyu/Senkaku já se agravaram quando o governo japonês anunciou a compra da ilhas que são propriedade de uma família japonesa. A China criticou duramente a ação e chamou-a de ilegal. O novo primeiro-ministro já declarou ser a favor de reformar a atual constituição e recriar forças militares para o Japão - desde o término da Segunda Guerra Mundial, o país não possuí forças armadas oficialmente e tem sua defesa garantida pelos Estados Unidos. O discurso é claro, pode não ter relação direta com a disputa pelas ilhas, mas sinaliza que a vontade do novo governo é um Japão mais agressivo.

Mapa do jornal inglês The Guardian que ilustra a disputa pelas ilhas Diaoyu/Senkaku.

Xi Jinping, por sua vez, não tem nenhum histórico de ser um nacionalista extremado. Não mais do que a média de seus compatriotas ou do que ex-presidente Hu Jintao. Mas ainda assim é um novo governante - que precisa mostrar serviço para seus pares do partido comunista - de um país que deve assumir o posto de líder do sistema internacional em no máximo 50 anos. É provável, portanto, que Xi reaja com mais força do que seu antecessor reagiria à um movimento nacionalista dos japoneses, podendo provocar um conflito bélico. Como a China tem outras disputas por ilhas na região e no sudeste asiático, é pouco crível que um primeiro movimento de agressão venha de Pequim, apenas uma reação dura. Mas com Shinzo Abe no governo do Japão, não difícil crer que o estopim possa vir de Tóquio.

De Dezembro de 2011 à Março de 2013, num período de apenas 1 ano e 3 meses, vimos os quatro países do nordeste asiático trocarem seus comandantes, dois de maneira democrática, um de maneira 'semi-democrática' e um de maneira totalmente autoritária. Independente, porém, dos regimes políticos de seus países, os perfis individuais de cada um que determinarão como se dará a geopolítica da região nos próximos anos. Olhando o que cada um vêm dizendo em discursos e as condições em que assumem, pudemos tirar perspectivas das tensões da região.

As Coréias parecem caminhar para uma ligeira melhora, mas os discursos de Park e Kim Jong-Un precisam ser colocados em prática, para que não sejam meras promessas políticas. Todos têm a ganhar com isso, principalmente a população norte-coreana que vê a possibilidade de melhorar suas condições de vida com a ajuda externa. Já o conflito - por enquanto apenas diplomático -  entre China e Japão, alça a região a um nível de tensão que a coloca entre as mais perigosas do mundo, já que em nenhuma outra região, dois países tão grandes estão em choque. É importante lembrar que, caso haja um embate bélico entre Japão e China, os Estados Unidos entram quase que automaticamente na disputa, já que por meio de tratado internacional têm a obrigação de garantir a segurança japonesa desde a Segunda Guerra Mundial, em troca de Tóquio aceitar restrições militares rígidas. Portanto, Abe e Xi Jinping vão ter que abrandar os discursos e a prática em nome de maior tranquilidade não só para a região, mas para todo o planeta. Por incrível que pareça, o conflito coreano parece não ser o principal problema de segurança do Leste da Ásia em 2013.


terça-feira, 9 de outubro de 2012

As Relações Bangladesh-Índia

Países pequenos e pobres costumam ter um grande medo no que tange à política externa: ser engolido por seus vizinhos maiores. O caso do Bangladesh é bastante representativo nesse sentido, já que o pequeno país asiático está praticamente cercado pela Índia, à exceção de uma curtíssima faixa fronteiriça com Mianmar e seu pequeno litoral para o Golfo de Bengala. Desta forma, o governo bengali é obrigado a manter relações com o gigante vizinho - mas estas relações nem sempre são boas, e costumam ter um padrão de "ziguezague" ao sabor do partido que controla o parlamento de Bangladesh.

Tradicionalmente, os dois partidos mais fortes de Bangladesh são o Awami League (AL) e o Bangladesh Nationalist Party (BNP). O primeiro é de centro-esquerda, com cunho mais secular e com ideais étnico-nacionalistas (Bengali), enquanto o segundo tem ideais de centro-direita, mais conservadores e ligados à prática do islamismo. Além disso, ambos diferem fundamentalmente sobre Política Externa: o Awami League procura uma relação mais amigável com a Índia, enquanto o BNP, dada sua tradição muçulmana, é mais próximo ao Paquistão.



Mapa de Bangladesh: Destaque para a fronteira quase total com a Índia e os rios Ganges e Brahmaputra.
A alternância de poder entre estes dois partidos, impede que questões chaves entre os vizinhos sejam solucionadas. Esses problemas atrapalham estes países, como toda a região. Por não conseguir ajustar sua relação com a Índia e, o Bangladesh gasta tempo e recursos que poderiam ser empregados para outras questões prioritárias. A Índia, por sua vez, tem que gastar atenção com mais uma fronteira problemática - a outra é com o Paquistão - para controlar imigração ilegal e contrabando de armas e equipamentos para grupos separatistas e/ou terroristas.

O Bangladesh por si só já tem problemas em demasia. O país tem uma densidade demográfica de - pasmem - 1033,5 habitantes/km² e um PIB per capita de apenas US$ 735,00 anuais, o segundo pior da Ásia. Devido a isso, a pressão social é extremamente grande e muitos bengali emigram para outros países, em especial, a Índia. Estima-se que haja pelo menos 10 milhões de cidadãos de Bangladesh vivendo ilegalmente no país vizinho. O governo de Nova Delhi, por motivos óbvios, trata esta situação com imensa gravidade, enquanto Daca acaba por fazer vistas grossas: além de ter um "alívio" populacional de milhões de pessoas, o país recebe remessas de seus nativos, que cumprem importante papel na renda nacional.


Outro grande problema entre os dois países concerne aos regimes fluviais dos rios Ganges e Brahmaputra. Ambos passam pela Índia, se juntam em um único corpo d'água e desaguam no golfo de Bengala, já em território bengali.  Os tratados de uso e poluição das águas têm sido fonte de atrito, uma vez que os rios chegam em Bangladesh já poluídos e com fluxo de água modificado pelos sistemas de irrigação indianos. Bangladesh reivindica regulação do uso dos rios para uso urbano e rural de maneira que possa aproveitar melhor suas águas - tanto para consumo, quanto para desenvolvimento de atividades econômicas.


O terceiro pilar problemático é o déficit comercial de Bangladesh. O pequeno país exporta quase que exclusivamente têxteis para a Índia, enquanto necessita comprar toda a sorte de produtos industrializados. Os acordos de livre-comércio da OMC impedem que Bangladesh imponha tarifas alfandegárias sobre produtos indianos, enquanto não impeçam a Índia de proteger sua agricultura e sua indústria trabalho-intensiva com subsídios que aumentam ainda mais o gap comercial.


Por fim, o nível de falência do Estado de Bangladesh - 29° pior do mundo - leva a problemas de fiscalização de fronteiras e consequente instalação de grupos criminosos no país. Dos mais variados tipos, desde organizações terroristas islâmicas até os mais diversos tipos de tráfico - como de drogas e pessoas. Tais grupos ameaçam a Índia de maneira direta e indireta: diretamente, por meio grupos anti-governo ou separatistas indianos se refugiam e montam suas bases em território bengali, inclusive montando pequenos grupos de guerrilha. De maneira indireta, traficantes de armas, drogas e pessoas vindos de Bangladesh usam a Índia como rota, dada a dificuldade do governo de Daca de fiscalizar as fronteiras.



Imagem da Capital de Bangladesh, Daca. O país é extremamente povoado, gerando uma pressão social imensa para emigração.
O partido anti-Índia em Bangladesh (BNP) deve analisar a parceria com esse vizinho de maneira mais pragmática, para que o país não perca durante seus momentos no poder. É impossível ignorar a presença de um alguém tão grande e, mais ainda, caminhar em direção a uma inimizade com um país tão mais poderoso. O Estado bengali, por sua vez, deve criar e fortalecer instituições que tragam estabilidade nas relações com Nova Delhi, como acordos de longo prazo, pactos celebrados em organizações internacionais e dar independência à atuação do corpo diplomático em relação a ideologia partidária que estiver no governo. A estratégia atual é buscar por outros parceiros grandes no Ocidente, no Oriente Médio e na própria Ásia - infelizmente, isso não substitui as benesses de uma aproximação com a Índia.

A cooperação entre Estados podem ser jogos de soma maior que zero, mas para tanto deve ser pautada pelo interesse de todos e feita com simetria dentro das possibilidades dos países. Bangladesh e Índia têm grandes diferenças em termos de território, economia e até mesmo relevância no cenário internacional, contudo as questões comuns e a vizinhança podem fazer com que a união de ambos solucione problemas de maneira mais eficiente, liberando recursos para resolução de outras situações problemáticas ainda mais graves, como o subdesenvolvimento latente, tanto para a Índia quanto para Bangladesh.


* Revisão por Letícia Simões Gomes e Marília Ramos

domingo, 30 de setembro de 2012

Quem ganha com a Rússia na OMC?

No mês de julho de 2012, o presidente russo, Vladimir Putin, assinou um acordo com a Organização Mundial do Comércio para o país ser o 156° membro da organização. Das 20 maiores economias do planeta, a Rússia era a única que ainda não fazia parte da OMC desde a entrada da China em 2001. O acordo, contudo, prevê um período de acomodação de alguns anos, com queda nas tarifas alfandegarias médias e liberalização de determinados setores da economia para capital estrangeiro.


Após 17 anos de negociações,  a Rússia finalmente se torna membro da Organização Mundial de Comércio.
Os consumidores - e empresas enquanto consumidoras - em geral, ganham. A economia russa tem girado em torno e dependido primordialmente de seus recursos minerais para exportação, enquanto compra bens de consumo de fora ou os produz de maneira pouco eficiente. A diminuição de tarifas fará com que estes bens importados, especialmente vindos da União Européia, tornem-se mais baratos para a população como um todo. A entrada de produtos vindos de fora a preços menores também serve como ferramenta para continuar a manutenção dos índices de inflação.

Putin espera que essa diminuição dos preços faça com que as camadas médias e altas da Rússia passem a ter maior sobra de dinheiro para investir e consumir mais. Além disso, ele espera atrair investimento externo  através da adequação às normas da OMC,  sinalizando confiança e estabilidade para os investidores. Assim, é esperado que o país desenvolva alguns setores pouco complexos economicamente e melhore sua infra-estrutura no médio prazo, inclusive tornando suas exportações mais competitivas.


Os produtores de commodities serão pouco afetados pelas regras da OMC, visto que a organização pouco regula o comércio de produtos primários ao redor do mundo. O máximo que poderia acontecer seria a redução de subsídios porém, como a produção russa no setor já é muito eficiente, é provável que o país continue a exportar muito petróleo, gás natural e derivados para os outros países europeus. O setor de armas, outro ponto forte das exportações russas, não é contemplado pela Organização.

A priori, a ampliação do livre-comércio na Rússia - com diminuição de tarifas, maior liberalização do comércio e diminuição do peso do Estado na economia - é vista de maneira louvável pelos economistas em geral. Todavia, há vozes dissonantes, tanto internas quanto externas, que acreditam que pouco irá mudar para o povo russo, ou que ainda as medidas podem levar o país a problemas de ordem socioeconômica, como desemprego. É preferível fazer uma análise mais específica, e verificar quais grupos ou países ganham e quais perdem com uma maior abertura comercial de Moscou.


Plataforma de extração de gás da Gazprom, gigante estatal da Rússia no setor. Empresas de gás e petróleo não serão tão afetadas pelos acordos comerciais com a OMC.
E do lado de fora? Os parceiros comerciais da Rússia, em especial a União Européia, comemoram. A queda nas barreiras alfandegárias abre outro mercado de mais de 140 milhões de pessoas ávidas para consumir e sem um setor produtivo eficiente. O estímulo para o crescimento vem a calhar num momento de crise intensa no continente. China, Estados Unidos e outros países exportadores de produtos industrializados também vão aumentar suas fatias no mercado russo.

Contudo, nem tudo são flores. Alguns industriais russos, especialmente do já citado setor de bens de consumo, devem sofrer pesadas consequências. O parque obsoleto - com algumas plantas da era soviética - e a mão-de-obra relativamente cara em comparação a trabalhadores de mesma qualificação ao redor do mundo, tornam alguns setores industriais extremamente ineficientes, como é o caso do setor automobilístico. A entrada massiva de produtos estrangeiros fará com que estas empresas não se sustentem deixem de existir em algum momento, elevando da taxa de desemprego. Percebemos, então, porque a principal voz opositora da entrada na OMC dentro da Rússia é o Partido Comunista, ligado a sindicatos e ao operariado em geral.



Os carros Lada se tornaram símbolo da ineficiência da indústria russa de bens de consumo.
Nesse aspecto, a Rússia tem um enorme desafio: como reacomodar a economia após o desmantelamento das sobras das indústrias de bem de consumo - com a renda extra vinda da economia dos consumidores e empresas que pagarão menos por importados - e, ainda, aumentar o índice de crescimento do PIB que está girando por volta de 2% ao ano. A principal urgência é evitar taxas altas de desemprego, para manter o consumo em níveis estáveis, e tentar evitar falências abruptas, afim de que o setor industrial de bens consiga "se transformar" em outros setores mais eficientes e condizentes com as "vantagens comparativas" russas. Tudo isso demora e não é um processo tranquilo.

A análise de ganhos e perdas feita acima é bastante simples. Mas passa uma mensagem importante: em economia, especialmente em comércio internacional, não há ganhos e perdas absolutos. Há grupos que ganham e grupos que perdem e assim será na Rússia. Os ganhos, aparentemente, parecem maiores que as perdas, principalmente no longo prazo, com a economia já acomodada. O curto prazo é mais perigoso. Uma mudança deste tamanho gera impactos expressivos na economia e, por conseguinte, perdas expressivas para alguns setores, que devem ser minimizadas.

Politicamente, a Rússia fez o que tinha que fazer. Parece cada vez mais inserida e disposta a uma integração global. Agora precisa trabalhar para mostrar que do ponto de vista econômico a decisão também foi acertada.


* Revisão por Letícia Simões Gomes e Marília Ramos

terça-feira, 15 de maio de 2012

Entre a Rússia e a Europa

A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas não apenas deixou de existir como eixo político socialista e potência mundial. Deixou de existir como estado único, deixando como herança um sucessor e diversos outros estados menores, tanto na Europa, quanto na Ásia Central. Dentre estes estados menores, os primeiros a conquistarem independência foram as três repúblicas bálticas: Letônia, Estônia e Lituânia.


Mapa das três repúblicas do Báltico, com suas capitais.

Hoje, mais de 20 anos depois da separação formal, os dilemas de política externa das três repúblicas continuam parecidos: tentar fugir da esfera de influência russa e se inserir dentro do contexto de unidade europeu. É natural que estes países busquem uma aproximação política maior com a Europa, porque são tradicionalmente mais europeus do que russos do ponto de vista cultural e histórico. E em segundo lugar, porque todas as dominações russas que houveram nestes três países nos últimos dois séculos, principalmente, foram bastante traumáticas e deixaram marcas profundas na sociedade.

A Lituânia foi um reino independente e católico pelo menos desde os anos 1300, e nos séculos seguintes formou uma união com a Polônia, até ser dominada pelo Império Russo no final século XVIII. A Letônia não gozou de tamanha autonomia no período, tendo sido dominada por teutônicos e pelos próprios lituanos, até a invasão russa. A Estônia por fim, desde a idade média teve grandes disputas em seu território, travadas por escandinavos, russos e outros países da Europa Oriental.

Ou seja, durante um período de por volta de 450 anos, as região onde estão localizadas as repúblicas bálticas e suas etnias se relacionaram muito mais com países europeus - sejam relações para o bem ou para o mal - do que com seus vizinhos russos, que durante a maior parte deste período também organizava-se como estado internamente. Somente nos últimos 200 anos, aproximadamente, é que a Rússia teve um papel central dentro da vida destes pequenos países.

Vista da cidade de Tallinn, capital da Estônia.

O panorama histórico abre dois caminhos. O primeiro é a proximidade cultural com a Europa, construída durante estes anos de relação com países do continente, e o segundo é o impacto que a dominação russa recente causou nestas sociedades. Na Lituânia, além da maioria da população ser de etnia lituana mesmo, mais de 80% da população é católica, uma religião tipicamente européia. Na Letônia, a maioria étnica (62%, aproximadamente) também é letã, e a maioria religiosa é cristã protestante e católica. Por fim, os estonianos compõem 68,1% dos grupos étnicos da Estônia, enquanto que a situação religiosa do país é bastante singular, com um índice de ateus altíssimo. Dentre os religiosos, protestantes são maioria seguidos de perto por ortodoxos.

Além da proximidade já comprovada com os países à oeste, a aversão que os bálticos tem em relação a Rússia é bastante justificada. Desde os períodos de dominação do Império Russo, passando por União Soviética, os governo de São Petersburgo e Moscou trataram a região com mão de ferro, com destaque para o processo de russificação: a transferência de russos para região e de locais para outros pontos do país, de modo a diluir a maioria da etnia local e dificultar a oposição ao governo central.

Vista da cidade de Riga, capital da Letônia.

Por fim, depois de passar por todos os elementos históricos e culturais que afastam os bálticos da Rússia e os colocam próximos a Europa, é preciso analisar as vantagens da associação com europeus. Apesar da crise econômica que afeta alguns países da União Européia, diversos dados apontam que a entrada no bloco é bastante benéfico para a economia em geral. E com estas três repúblicas não foi diferente: melhora nos índices de inflação e crescimento alto do PIB. Uma vez dentro do bloco e unidos com a Europa, ficou mais difícil que a "ameaça russa" volte a rondar Estônia, Letônia e Lituânia.

Vista da cidade de Vilnius, capital da Lituânia

Olhando para a política externa das três repúblicas bálticas percebe-se uma convergência entre valores e pragmatismo, o que nem sempre ocorre em outras ocasiões. Convergência esta, que vem garantindo ótimos resultados. Apesar de ainda depender do antigo dominador em algumas áreas, como o fornecimento de gás natural, tanto Letônia, Estônia e Lituânia desfrutam não apenas dos benefícios econômicos e sociais da União Européia, mas também de um benefício circunstancial, a independência de um parceiro indesejado.


* Revisado por Letícia Simões Gomes e Marília Ramos

sábado, 10 de março de 2012

A Transição de Poder na Coréia do Norte e a Suspensão do Programa Nuclear

A agência estatal norte-coreana KCNA anunciou, há alguns dias, que o governo da Coréia do Norte suspendeu o seu programa nuclear e o lançamento de mísseis de longo alcance em troca de ajuda humanitária dos Estados Unidos, no que toca principalmente a doação de alimentos. Dessa notícia, podemos não só inferir sobre a política externa norte-coreana, como também sobre a política interna do país nesses primeiros meses de administração Kim Jong-un.

Olhando primeiramente para a política externa, pode-se interpretar a suspensão como um sinal de que a Coréia do Norte está se abrindo para um diálogo maior, especialmente com os Estados Unidos. Isso pode ser um primeiro passo para a retomada de negociações multilaterais que incluam também a Coréia do Sul, também muito ameaçados pelo programa nuclear de Pyongyang.


Kim Jong-un em meio ao alto escalão militar da Coréia do Norte. Enfraquecimento do poder político do das Forças Armadas?
Essa política contrasta fortemente com a política externa anterior, adotada por Kim Jong-Il que nos últimos 10 anos isolou o país gradualmente da comunidade internacional, criou o programa nuclear norte-coreano e aumentou os sistemas de defesa militar por volta de 20 vezes no período. Ou seja, a transição de governo norte-coreana parece não ter colocado na liderança apenas um novo nome, mas sim um novo programa de governo.

Contudo, não podemos descartar a possibilidade de uma interferência direta da China neste acordo, já que há um interesse grande dos chineses na pacificação da região. Pequim é o único aliado da Coréia do Norte e tem papel fundamental na economia norte-coreana, financiando grande parte da ajuda humanitária que o Pyongyang recebe, tanto em alimentos quanto em dinheiro.

Do ponto de vista da política interna norte-coreana, a suspensão do programa nuclear evidencia que a linha-dura do Partido Comunista está perdendo força ante uma linha mais moderada e mais preocupada com os problemas que a população sofre, como a deficiência alimentar. Ainda que haja uma pressão chinesa externa


Míssil Balístico norte-coreano. Este tipo de míssil carrega as ogivas com material atômico.
Isso responde a uma questão importante da transição de poder: se Kim Jong-un exerceria o poder de facto ou se seria manipulado pelas alas mais militarizadas do partido, que desde o princípio preferiam transferir o poder de Kim Jong-il para Jang Song-thaek, tio de Jong-un. Tratando-se Coréia do Norte, não se pode inferir nada além de especulações, mas aparentemente Kim Jong-un - tido como mais moderado - está mais atuante neste momento do que o linha-dura Jang Song-thaek - conhecido por ser muito forte nos bastidores.

O momento da transição de governo é sempre importante para sinalizar as intenções de um país no futuro. E Pyongyang parece indicar que vai seguir caminho mais aberto ao diálogo e mais preocupado com os problemas sociais do país, fruto de uma liderança mais arejada do jovem Kim Jong-un. Tomar uma decisão da magnitude de suspender o programa nuclear tão cedo é inteligente, pois transmite à sociedade internacional desde já que o novo governo está disposto a negociar e colaborar com o principal problema de segurança regional.

A unificação das Coréias ou ainda o modesto objetivo de abertura da Coréia do Norte, ainda estão distantes. Mas a entrada de Kim Jong-un e sua participação no governo parecem apontar para um primeiro passo, a retomada de negociações multilaterais com Estados Unidos e Coréia do Sul. A hipótese de a China pressionar a pacificação nas Coréias também sinaliza para a estabilidade já que tanto os aliados do Sul, quanto os do Norte, parecem estar alinhados em busca deste objetivo. Havendo negociação, há sempre a possibilidade de evolução para objetivos maiores de integração e parcerias regionais, e desta vez, parecem estar todos do mesmo lado.